quinta-feira, setembro 28, 2006

O estádio da memória - 1











Celtic Park, Glasgow

Estamos numa meia-final inédita, histórica, da taça UEFA. O Boavista joga com o Celtic em Glasgow e cerca de duas horas mais tarde, o FC do Porto recebe a Lázio nas Antas.
Celtic Park nem é o nome própro do estádio, é uma alcunha que vem do tempo do campo antigo.
Estamos em Abril. A meio de Abril, em 2003, ao final da tarde na véspera do jogo. Sigo num táxi preto, destes novos, que agora são produzidos em série como os antigos. Por fora são à moda antiga, por dentro também, mas nas entranhas tudo é novo: o motor, a bateria, os depósitos de água, os cabos. Esta primeira visita é de reconhecimento, para saber onde fica o campo, a que distância fica, a quanto tempo fica do nosso moderníssimo hotel, o Radisson, acabadinho de inaugurar em Glasgow. Dou uma volta ao recinto, informo-me da entrada para a imprensa, do local onde se levantam as credenciais. Atravesso a imensa praça e dou um salto à loja do clube. A esta hora, ao final da tarde, já está fechada. A esta hora, neste lugar, deslocado 10 quilómetros, 5 minutos, do centro da cidade, não existe mais nada. Espero trinta minutos por um táxi que nunca há-de chegar para me levar de volta. Desito e vou a pé outros trinta minutos. Páro num posto de polícia. Explico a situação, chamam-me um táxi, espero mais cinco minutos, vou embora.
Estou agora no dia do jogo. Recordo o dia de ontem para dizer uma coisa que ainda não contei. Tem a ver com uma tradição muito, mas mesmo muito escocesa: as apostas. Eles apostam por tudo e por nada. Num jogo de futebol, em qualquer desporto, na próxima cidade do mundo onde vai cair um avião, nos dias que faltam até cair o governo de um qualquer país.
Quando acabo de pensar nisto tudo, já me encontro no interior do Celtic Park. Estou eu e estão mais sessenta mil pessoas nas bancadas. O que acontece a seguir é indescritível. A linhas que se seguem servem apenas para imaginar. Um homem com mais de 70 anos entra no relvado. Caminha de vagar, à velocidade das duas pernas amparadas por uma muleta. Entregam-lhe o microfone. O estádio grita histérico e logo fica em silêncio. Entra uma voz poderosa do fundo da alma. É do velho que mal caminha. Canta as primeiras letras do You´ll Never Walk Alone. Mais sessenta mil vozes vão atrás. É o momento mais intenso que vivo num estádio de futebol.
O Boavista empatou a um. Benificiou de um auto-golo e do facto de Henrik Larsson ter falhado um penalty. Duas semanas mais tarde o mesmo Larsson marcou no Bessa o golo que levou o Celtic à final. Nesse dia recordei estes dois momentos a Martin O´Neill, treinador do Celtic. Ele olhou para mim e antes de se levantar disse apenas isto: "it´s a strange old game, isn´t it?".
O resto é público: no final da época desportiva, Celtic encontrou o Fc do Porto em Sevilha. A Taça UEFA lá veio parar a esta cidade.

3 Comments:

Blogger Knuque Mo said...

uau! um novo blogue. vou esperar uma semana antes de fazer um link ;-)

8:22 da tarde  
Blogger Carla de Elsinore said...

ops, antónio, era eu

8:25 da tarde  
Blogger francisco carvalho said...

Bonito relato, Reis.
(e faço como a Carla, vou esperar uma semana...)

11:47 da manhã  

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